O Improviso que trouxe gêmeos para a vida

Um seriado americano tinha o personagem MacGyver ("Magaiver"), vivido pelo ator Richard Dean Abderson, que associou seu nome ao improviso.

Passei uma época da minha vida viajando para outro estado afim de realizar uma técnica que necessitava de um aparelho para injetar um espermatozoide num óvulo. Meu laboratório ainda não possuía esse equipamento (micro manipulador) que custava muito caro.

Um casal estava na sua segunda tentativa de fertilização invitro e a aspiração dos óvulos aconteceu num final de semana.

Depois que estava tudo pronto, solicitei a enfermeira o guia de punção do ultrassom quando, por surpresa, fui informado que houve um equívoco e a enfermagem esqueceu de buscar-lo, porque a esterilização era terceirizada em outro endereço.

Aqui cabe uma explicação

PRIMEIRO - O guia de punção é um instrumento de metal com um túnel da espessura da agulha da punção, com cerca de 15 cm de comprimento, que é montado, fixado e travado sobre a sonda transvaginal do ultrassom. Serve para guiar a agulha, com cerca de 30 cm, que faz a punção dos ovários para retirada dos óvulos. Na tela do ultrassom existe uma linha tracejada que mostra o local onde a agulha deverá passar. Sem o guia, a agulha não passará naquele traçado e o médico, fatalmente, será induzido ao erro.

SEGUNDO - A hora da aspiração dos óvulos é estabelecida 34 a 36 horas antes e não há como adiar o procedimento.

TERCEIRO - Sem o guia é impossível realizar a aspiração dos óvulos, porque um grave acidente pode acontecer como, por exemplo, perfurar intestino, bexiga, vasos importantes etc.

QUARTO - Fui informado que, devido ao final de semana, a empresa da esterilização estava fechada.

Seria uma frustração para o casal receber a notícia de que a segunda tentativa de fertilização teria que ser cancelada.

Como eu nunca desisto e sei que há uma solução para quase tudo, comecei a olhar em minha volta em busca de algo que eu pudesse fabricar um guia improvisado.

Eu tinha que pensar rápido e montar com artefatos esterilizados.

Olhei para o soro e enxerguei a solução:
O tubo que que levava o soro para a veia da paciente, uma tesoura e micropore (um tipo de esparadrapo super adesivo).

Montei, testei e vi que iria funcionar porque o tubo flexível do soro estava firme para evitar desvio.

Começou a anestesia, posicionei o ultrassom e a agulha, direcionei para o ovário, quando percebi que estava muito próximo de alças intestinais e vasos sanguíneos, a milímetros de distância. Para vocês terem uma ideia, uma espessura de folha de papel é o que separa o ovário do intestino e da veia ilíaca. Por isso o guia e sua fixação é tão importante.

Haviam poucos óvulos para puncionar, o que tornava o procedimento sem possibilidades de erros.

Finalmente deu certo. O guia funcionou.

Entrei no ovário e acionei o pedal de sucção da bomba de aspiração do líquido que traria o óvulo.

De repente, ocorreu um curto circuito e a bomba de aspiração parou de funcionar.

A enfermagem ligou o aparelho 110v em 220v.

Eu não poderia mexer minha mão. Estava dentro do folículo que continha o óvulo. Tinha que encontrar outra solução rápida.

Essa parecia ser mais simples. Era só acoplar uma seringa de 20 ml para aspirar e fazer vácuo.

Só que no meu protocolo eu uso uma agulha de duplo sistema para aspiração e injeção (como se fossem duas vias), além de ser mais indicado quando a paciente tem poucos óvulos. Mas a enfermeira não tinha experiência com esse instrumento. Eu precisaria ter quatro mãos. Como cada folículo tinha, em média 2 ml de líquido, solicitei que o embriologista montasse cinco seringas de 5 ml com metade de meio de cultivo, desmontasse o sistema e adaptasse. Solicitei que aspirasse e injetasse três vezes. Nunca havia usado dessa maneira.

Meu lado MacGyver funcionou. Nasceram gêmeos!